sábado, 11 de janeiro de 2014

Aço ou alumínio, eis a questão.


Nos últimos dias li bastante sobre aço e alumínio utilizados na construção de cascos. Como tudo, existem prós e contras em cada um deles. Talvez, a minha pergunta inicial (qual é o melhor material para construir o barco?) deva ser substituída por outra, qual é o melhor material para o uso que pretendo dar ao barco? Não são perguntas com respostas mutuamente excludentes, ao contrário o material é uma função do uso que se pretende dar ao barco ou, melhor, por onde ele singrará. 

Bem, cruzeiros transoceânicos, ao contrário da navegação costeira, não estão sujeitos a encontros com rochas, recifes e similares com grande frequência. Entretanto, em algum ponto o cruzeiro se torna, por determinado período, navegação costeira. Ao contrário da navegação costeira, apesar das grandes dimensões dos oceanos, com alguma frequência, especialmente em algumas partes do mundo, os encontros com contêineres e lixos de grandes proporções não são raros. Grande animais, como baleias, eventualmente também podem se chocar contra o casco. 

Outro aspecto importante está relacionado com os desafios específicos de onde se pretende ir. O primeiro exemplo (e possivelmente o mais extremo são as regiões congeladas). Tal como o aço, o alumínio também pode ser empregado em cascos destinados a barcos destinados a visitar locais gelados e permanecer em contato com o gelo, resistindo tanto a pressão dos grandes blocos de gelo como também a eventuais choques com icebergs. Assim, se a ideia é visitar todos os cantos do mundo, tanto um quanto o outro, desde que corretamente isolados, podem ser igualmente utilizados com as corretas precauções e adoções dos materiais apropriados nas especificações requeridas. Até ai, empatou. 

Portanto, a navegação transoceânica engloba riscos maiores do que a costeira. Se o critério fossem apenas, estes, bem os dois poderiam ser perfeitamente utilizados como substitutos um do outro.  

Existe, por outro lado, um aspecto relacionado com a menor densidade do alumínio que é imbatível. Se, por absurdo, imaginarmos dois projetos idênticos, com o mesmo tamanho, o barco em alumínio seria mais leve. A implicação direta é o melhor uso "da sobra de peso", tendo em vista um mesmo deslocamento, para aumentar os tanques de água e combustível. Ao se fazer isso aumenta-se consideravelmente a autonomia e a segurança nas grandes travessias. 

Autonomia e segurança têm grande importância para mim. Li em blogs alguns relatos de pessoas que estão circunavegando o globo. Longos períodos sem luz solar ou vento impedem que a transformação de água salgada em água potável por unidades dessalinizadoras. Para suprir esta deficiência é necessário utilizar o motor para carregar as baterias internas e fornecer a energia necessária para o processo. Ok, tudo bem. Todavia, nos dias de hoje, os barcos contam com um grande número de equipamentos necessários para navegação, comunicação e várias outras tarefas, e todos eles necessitam de energia elétrica para funcionar e ambiente com determinados níveis de umidade e temperatura.

Já é possível ver onde pretendo chegar, mas não custa dizer: já imaginou ter que escolher entre comer/beber e ligar o GPS ou o radar? O algo aparentemente menos importante, como a climatização, mas que depois de 30 dias no mar, 500 milhas da costa, é um dos poucos confortos que se tem e que ajudam, e muito, a manter o ânimo para cima e a sanidade necessária para tomar decisões.   

Posso dizer que estou em dúvida ainda e preparei o resumo abaixo dos principais argumentos para me ajudar a decidir. Enfim, nada fácil! Acho que o próximo passo é analisar projetos que de alguma forma sejam equivalentes para verificar se possuem, ao menos, condições para fornecer a mesma autonomia.

Resistência:

Aço: Maior resistência à abrasão e perfuração, maior dureza comparativa, com menor deformação por pressão (ductilidade), dificultando a absorção de impacto. 

Alumínio: O alumínio é mais resistente do que o aço se comparado em mesmo peso, sendo 10 vezes mais resiliente. Porém, não possui a mesma resistência à fatiga (dobra e ruptura) que o aço, requerendo testes específicos (e caros) para determinar a qualidade. A fatiga leva a rachadura/ruptura do casco. O problema é que o ponto de fatiga do alumínio ainda não foi determinado, devendo ser avaliado durante a construção. A ruptura por fatiga pode acontecer em situações diversas.

Calor e som:

Aço & Alumínio: Da mesma forma que o alumínio, o aço é excelente condutor de calor e som. Necessita, portanto, de correto isolamento termo-acústico apropriado. 

Reparos:

Aço: É relativamente fácil encontrar mão-de-obra qualificada, equipamento e material em qualquer parte do mundo não é problema. O custo é comparativamente menor do que em alumínio. Entretanto, o processo de soldagem demora mais tempo do que no alumínio. 

Alumínio: Os equipamentos e materiais de soldagem são mais caros comparativamente aos do aço. Adicionalmente, o processo de soldagem somente pode ser realizado no seco, em local estável e seco, dificultando os reparos no meio do oceano. 

Ameaças ao material:

Aço: A corrosão pelo contato com o ar (corrosão) e corrosão galvânica. A corrosão pelo ar de metais ferrosos, como o aço, corrói e deteriora a superfície. Para minimizar a corrosão é necessário proteção específica, normalmente feita por pintura e lixamento da superfície.  Apesar de sujeito à corrosão galvânica, é menos suscetível que o alumínio. 

Alumínio: Eletrólise (corrosão galvânica). O alumínio é um material não ferroso, mas está sujeito à oxidação. Porém, ao contrário do que ocorre com o aço, a superfície não sofre deterioração ou corrosão. Durante o processo de oxidação é formado o óxido de alumínio (Al2O3), que se manifesta como uma película fina que serve de proteção, apesar de reduzir o brilho. Com isso, a oxidação fornece certa proteção ao material, ao contrário do que ocorre com o aço. 
A corrosão galvânica bimetálica é um processo eletroquímico em que, considerando 2 metais diferentes, um metal sofre corrosão preferencialmente em relação a outro quando os dois metais estão em contato elétrico e imersos em um eletrólito. Este processo ocorre com a formação da pilha eletroquímica, que necessita de anodo (metal menos nobre), catodo (metal mais nobre) e solução salina (eletrólito). Ele pode ser mitigado mediante o isolamento dos metais condutores de energia elétrica existentes no barco, evitando a sua “fuga” para a água salgada (rica em eletrólitos). Adicionalmente, utiliza-se outro metal, no caso o zinco, o chamado “metal de sacrifício”, que atua como anodo. 
Os anodos são instalados em locais estratégicos, cujo propósito deles é sofrer a corrosão, e por conseguinte devem ser trocados com certa periodicidade. Seus pesos e tamanhos devem ser calculados de acordo com determinados parâmetros e para isso existe a seguinte fórmula: http://www.boatzincs.com/anode_weight_calculation.html. Além disso, existem detectores de corrente galvânica que podem ser instalados, permitindo verificar a qualquer tempo o desempenho das medidas de precaução adotadas. Vale salientar que o aço também está sujeito a este mesmo tipo de corrosão 
Grande parte da corrosão galvânica é resultante do contato entre alumínio e aço. Portanto, na construção não podem ser utilizadas peças deste último material. Da mesma forma é necessário escolher/guardar/isolar utensílios, equipamentos e ferramentas de metal, de modo a evitar o contato direto com o alumínio. 

Peso:

Aço: O peso pode ser um limitador quanto ao local no qual serão realizadas as manutenções, pois, dependendo do tamanho, pode ser que o equipamento para erguer/retirar da água não suporte o peso. 
O peso maior significa maior deslocamento, reduzindo a performance geral. Da mesma forma, o peso dificulta a realização de manobras. Com o aumento do peso e do deslocamento, o remanescente para equipar e preparar o barco é menor, obrigado a realização de escolhas que reduzirão eventualmente o conforto. Devido ao maior peso, a âncora será mais pesada dificultando o manuseio por uma única pessoa. Aumentando o deslocamento, aumenta-se o consumo de combustível do motor, necessitando de tanques maiores para atingir a mesma distância. O maior peso e deslocamento requer maior área velica e, consequentemente, maior tripulação para regulá-la. O maior peso pode ser transformado em maior estabilidade, aumentando o conforto. Reduz, também, a tendência a rolar. 

Alumínio: Devido à sua menor densidade, o peso de uma chapa de alumínio comparativamente ao de uma chapa de aço, considerando que as duas possuem as mesmas dimensões, é cerca de 50-60% menor. O peso menor significa possível economia nos sistemas internos, como aparelho (massame, poleame e velame), transmissão, motor e etc. Da mesma forma, permite o aumento da autonomia do barco (combustível, água, menor motorização). 

Custo:

Aço: O custo de tratamento e pintura contra corrosão reduz a diferença de custo de construção. O tratamento deve ser feito em toda a superfície exposta ao ar, não apenas a água. Por conta do tratamento, o início dos trabalhos pós-casco demoram mais. 

Alumínio: O custo de construção é maior, porém em termos relativos o custo do casco se situa entre 15% e 20% do custo total do barco. Comparativamente, o custo do alumínio utilizado na construção de barcos é 2-3 vezes maior do que o do aço para o mesmo propósito.

Resistência:

Aço: O aço é um material mais nobre do que o alumínio, e está acima na escala galvânica. 

Alumínio: Da mesma forma que o alumínio, o aço é resistente ao fogo, sendo não combustível e não inflamável. As ligas de alumínio perdem resistência quando são soldadas, o que não ocorre com o aço. Para reduzir este efeito é necessário reforçar, representando aumento de peso. Cuidados maiores devem ser tomados com o controle de qualidade da soldagem, especialmente no tocante à resistência contra pressão e à corrosão galvânica. 

Manutenção:

Aço: Pontos de fratura e corrosão são difíceis de localizar, dificultando a realização de manutenção. 

Alumínio: Especial cuidado deve ser empregado no sistema elétrico, de modo a evitar que o caso sirva de condutor. Em nenhuma hipótese isso pode ocorrer, sob pena de ocorrência de eletrólise. 

Preço de revenda:

Alumínio: Significativamente maior do que o do aço. O valor depende diretamente do que se encontra agregado ao barco. 

Outros problemas:

Aço: Magnetização com consequente interferência nos equipamentos abordo, mas especificamente da bússola. Maior barulho e vibração. Se, por um lado, o aço apresenta maiores problemas acima da linha da’ água, os problemas do alumínio se situam com mais frequência abaixo dela. 

Tamanho:

Aço: Em tamanho menor do que 40 pés, o centro de gravidade não é mais baixo, apesar do peso ser maior, fazendo com que o design fique “estranho”. Se o peso é uma consequência direta do tamanho, considerando-se que as consequências da diferença de peso somente são reduzidas em tamanhos maiores e levando-se em consideração que o maior peso requer mais trabalho e maior tripulação, quanto maior o tamanho do barco em aço mais difícil é a sua condução por uma pessoa só. 

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